9.7.10

Argumentos Quase Lógicos

 
Compatibilidade e Incompatibilidade
Utilizando essa técnica, a pessoa que argumenta procura demonstrar que a tese de
adesão inicial, com a qual o auditório previamente concordou, é compatível ou
incompatível com a tese principal. 

Podemos, por exemplo, antes de tentar convencer o Secretário de Transportes de nossa
cidade a retirar as lombadas das ruas (tese principal), fazê-lo concordar com a tese de
adesão inicial de que, em caso de incêndio ou transporte de doentes, as lombadas
prejudicam sensivelmente a locomoção de carros de bombeiro e de ambulâncias, que são obrigados a parar a cada obstáculo, atrasando um socorro que deveria ser imediato. As lombadas são, pois, incompatíveis com o bom funcionamento dos serviços públicos de emergência.

Esses argumentos recebem o nome de quase lógicos, porque muitas das
incompatibilidades não dependem de aspectos puramente formais e sim da natureza das coisas ou das interpretações humanas. Um eleitor norte-americano, mesmo concordando que o país estava pior no governo Carter, poderia votar nele, por uma questão de amizade, parentesco ou religião. Em um argumento lógico isso é impossível. Eu não posso, por exemplo, depois de dizer que todo homem é mortal, dizer que Paulo, apesar de ser homem, não é mortal, porque é meu amigo!

Regra de Justiça
A regra de justiça fundamenta-se no tratamento idêntico a seres e situações integrados em uma mesma categoria. Um filho, cujo pai se recusa a custear-lhe a faculdade, pode protestar, dizendo que acha isso injusto, uma vez que seus dois irmãos mais velhos tiveram seus cursos superiores pagos por ele. É um argumento de justiça, fundamentado na importância de um precedente.
Utilizando ainda a questão das lombadas, podemos argumentar, defendendo a tese principal da sua retirada, dizendo que esses obstáculos são injustos, uma vez que tanto aqueles que têm por hábito andar em alta velocidade, quanto aqueles que não têm esse hábito são punidos da mesma forma, pelo desconforto de ter de frear o carro, pelo desgaste do veículo etc.

Retorsão
Denominamos retorsão a uma réplica que é feita, utilizando os próprios argumentos do interlocutor. No dia seguinte, após ter entrado em vigor, no ano de 1998, o novo Código Nacional de Trânsito, os noticiários de televisão mostravam donos de carros antigos comprando, em lojas de acessórios, cintos de segurança de três pontos e apoiadores de cabeça para os bancos traseiros, objetivando cumprir um artigo desse código que estabelecia a necessidade desses equipamentos em todos os veículos em circulação no país. Horas depois, um jurista apareceu na mesma emissora de televisão, afirmando que não havia a menor necessidade daquele procedimento, uma vez que o mesmo código, em outro artigo, dizia que não poderiam ser alteradas as características originais de fabricação dos veículos, ou seja, o próprio código que exigia adaptações, em outro artigo, desautorizava-as. Ficou valendo esta última posição! A obrigatoriedade dos cintos de três pontos e dos apoiadores de cabeça para os bancos traseiros ficou restrita aos carros fabricados a partir da data de vigência do novo código.


Ridículo
O argumento do ridículo consiste em criar uma situação irônica, ao se adotar, de forma provisória, um argumento do outro, extraindo dele todas as conclusões, por mais estapafúrdias que sejam. Um exemplo desse procedimento pode ser visto no artigo abaixo, de autoria de Clóvis Rossi, publicado no jornal Folha de S. Paulo:

Cai o Palace 2 e os culpados são as vítimas, se se pudesse levar a sério a afirmação de seu construtor, o deputado Sérgio Naya, de que ouviu falar que algum morador do prédio estava construindo irregularmente uma piscina, em clara insinuação de que fora essa a causa do desabamento. São Paulo quase some sob as águas de março e os culpados são, de novo, as vítimas. Se não fosse o tal do povo sujar as ruas, os bueiros não teriam ficado entupidos e não teria, em conseqüência, havido alagamentos. É o que alega a laboriosa Prefeitura de São Paulo, gestão Celso Pitta.
Como no Brasil há uma forte tendência a que peguem modas indecentes, vamos desde logo à lista dos próximos culpados:

1. Está desempregado? A culpa é sua. Quem mandou preferir ficar em casa, batendo papo com a ”patroa”, em vez de pegar no pesado? Você acaba se viciando no generosíssimo seguro-desemprego pago pelo governo.

2. Sua pequena ou microempresa quebrou? A culpa é sua. Se tivesse PhD em Ásia, você ficaria sabendo que a Tailândia ia quebrar, que logo seria seguida por um punhado de
”tigres” e o Brasil seria obrigado a duplicar os juros que já eram dos mais altos do mundo.
Será que só você não percebeu que a Ásia ia quebrar?

3. Levou uma bala perdida? A culpa é sua. Quem mandou sair à rua, dormir ou nadar sem um colete à prova de balas?

4. Não conseguiu colocar o filho na escola pública de sua preferência? A culpa é sua. Por que não comprou uma casa em um bairro em que a escola próxima tem vagas?

5. Está penando na fila do INSS? A culpa é sua. Só você não ficou sabendo que a economia de mercado oferece uma penca de planos de saúde privados (a fila pelo menos é menor). E não me venha com a história de que o seu salário não lhe permite pagar um plano desses.
Quem mandou você não se preparar para a tal da globalização?

Como vemos, o articulista aceita de modo provisório e irônico o argumento do construtor Sérgio Naya e do prefeito de São Paulo, e aplica-o em diferentes situações, gerando paradoxos.

Logo abaixo, pessoal, vemos aquele causo do Veríssimo sobre o cego que caçou com gato.

O escritor Luís Fernando Veríssimo escreveu, certa vez, uma crônica, utilizando a técnica do ridículo. Trata-se da história de um pobre cego que não tinha conseguido encontrar um cão para guiá-lo pelas ruas da cidade e, como diz o provérbio que ”quem não tem cão caça com gato”, arrumou ele um gato. Depois de certo tempo, era visto passeando não só pelas ruas da cidade, guiado pelo gato, mas também por cima dos muros, por sobre os telhados e por outros lugares insólitos freqüentados usualmente por esses felinos. Por isso eu prefiro dizer: quem não tem cão melhor não caçar, porque gato só atrapalha!


Definições
Para entender o uso das definições como técnicas argumentativas, precisamos, primeiramente, conceituá-las. As definições podem ser: normativas e etimológicas.

a)Definições Normativas.
As definições normativas indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e dependem de um acordo feito com o auditório. Um médico poderá dizer, por exemplo: — Para efeito legal de transplante de órgãos, vamos considerar a morte do paciente como o desaparecimento completo da atividade elétrica cerebral.

b)Definições Etimológicas.
As definições etimológicas são fundamentadas na origem das palavras. Podemos dizer, como exemplo, que convencer significa vencer junto com o outro, pois é formada pela preposição com mais o verbo vencer. Se fosse vencer o outro ou contra o outro, deveria ser contravencer. É preciso, contudo, prestar atenção a um fato importante. Às vezes, as definições etimológicas não correspondem mais à realidade atual. Tal é o caso, por exemplo, da palavra átomo que, examinada etimologicamente, quer dizer aquilo que não pode ser dividido (a + tomo). Mas, todos sabemos, hoje em dia, que os átomos são compostos de muitas partículas subatômicas e podem ser divididos por meio da fissão nuclear.
As definições expressivas e etimológicas são as mais utilizadas como técnicas argumentativas, uma vez que permitem a fixação de pontos de vista como teses de adesão inicial. Um arquiteto poderá tentar convencer um cliente a aceitar modificações na localização das janelas de um projeto, ou no seu paisagismo, a partir da definição expressiva (tese de adesão inicial) de que uma janela deve ser sempre uma oportunidade para se contemplar o verde.
A filósofa Marilena Chauí utiliza, no texto a seguir, a definição etimológica de religião, para explicar o modo como as várias culturas se relacionam com o sobrenatural:

A palavra religião vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo. Quais as partes vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a Natureza (água, fogo, ar, animais, plantas, astros, pedras, metais, terra, humanos) e as divindades que habitam a Natureza ou um lugar separado da Natureza.

Nas várias culturas, essa ligação é simbolizada no momento de fundação de uma aldeia, vila ou cidade: o guia religioso traça figuras no chão (círculo, quadrado, triângulo) e repete o mesmo gesto no ar (na direção do céu, ou do mar, ou da floresta, ou do deserto). Esses dois gestos delimitam um espaço novo, sagrado (no ar), e consagrado (no solo). Nesse novo espaço erguem-se o santuário (em latim, templum, templo) e à sua volta, os edifícios da nova comunidade.

2 comentários:

MB disse...

Que tal dar o crédito do texto ao autor: Antonio Suarez de Abreu? O texto acima é dele, no livro a Arte de Argumentar.

Oficina de Texto (aula de redação) disse...

Caríssimo MB, muito obrigado! Você está correto, não só este post, como todo o material deste blog é baseado no livro Arte de Argumentar de Antonio Suarez de Abreu, no entanto, não sei se você percebeu, mas nos links contidos no menu à direita - especificamente na seção 'sites interessantes' - está, exatamente como bibliografia de aula, o link deste livro que você citou. Mais uma vez, agradeço pela sua visita e seu comentário! Tudo de bom! Um grande abraço.

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